Quem teima em se julgar invencível, comete loucuras e imprudências

Todo o ser humano convive com limites, sejam eles coletivos ou individuais. Os coletivos, como por exemplo, o horário de chegar ao trabalho, às sessões teatrais ou de cinema, servem para nortear a pessoa. Uma liberdade hipotética acabaria levando o ser humano a um deslocamento tal que o impossibilitaria para a convivência social.

Os psicólogos não se cansam de dizer que os pais não precisam ser tiranos para lidar com o filho adolescente, mas se tentarem ser iguais a ele, não impondo nenhum limite, perdem uma de suas funções mais importantes, a de servir de exemplo. Já dizia Lord Byron “Os espinhos que me feriram foram produzidos pelo arbusto que plantei”.

Não pretendemos aqui trabalhar as noções de certo ou errado. Estas diferenças existem, mas são altamente discutíveis e o conteúdo destes conceitos pode variar de tempos em tempos. Trata-se antes de saber o que é aceitável para a estrutura física e psíquica de uma pessoa.

Tenho um amigo que proíbe terminantemente a filha de namorar militares. Uns diriam que ele está errado, uma vez que, com base em preconceitos, não é concedido a ninguém o direito de impedir os relacionamentos pessoais das outras pessoas. Outros aplaudiriam a sua posição, porque ideologicamente são contra o modo de pensar que deriva da formação militar. No entanto, no caso do meu amigo, não se trata de implicância pessoal ou ideológica, mas da sequela de uma dolorosa experiência emocional. Durante o regime militar instaurado no país pelo golpe de 1964, ele foi submetido a torturas que deixaram marcas psicológicas suficientemente fortes para que ele não suporte a ideia de ver sua filha se relacionando proximamente com alguém que lembre os seus algozes. Como ele mesmo reconhece, este, certo ou errado segundo determinados padrões, é o seu limite.

Muitas vezes passamos por  situações que são desagradáveis pelas circunstâncias, mas enriquecedoras para nossas vidas. O problema é saber o que fazer no período em que os fatos estão fervendo na sua cabeça. Aprendi que na vida há momentos em que temos de deixar os fatos arquivados e guardados em nossa mente por um tempo indeterminado, até que estejamos preparados para poder entendê-los, avaliá-los e utilizá-los como experiência. Esta situação é comum em nossa vida e esse é o Processo Temporal da Evolução Consciente. Bertrand Russell dizia “para ser feliz neste mundo, especialmente quando a juventude já passou, é necessário sentir-se não apenas um indivíduo isolado, cujo tempo logo se acabará, mas parte da corrente da vida que se vai diminuindo a velocidade na jornada desde o primeiro embrião até o futuro remoto e ignoto”. Perguntaram ao falecido escritor Pedro Nava o que era estar fazendo 80 anos, e ele respondeu: “Pensar na experiência vivida é colocar os faróis na traseira do carro. Só ilumina o passado.”

Não tente admirar as estrelas se a tempestade ainda não passou.

Nas Olimpíadas de Seul, a televisão do mundo inteiro mostrou uma atleta suíça que percorreu os últimos quatrocentos metros da maratona trôpega de cansaço, caminhando com o corpo retorcido por causa da dor causada pelos músculos super-solicitados. Esta mulher estava decidida a superar tal condição e, mesmo lentamente, aos trancos e barrancos, cruzou a linha de chegada. Sua disputa não era sequer por uma colocação, mas pela superação dos próprios limites. Ao cruzar a linha de chegada, ela caiu nos braços dos auxiliares de pista e desmaiou. Com a sua emocionante luta pessoal ela tornou-se foco de atenção internacional, relegando a um segundo plano a campeã, que chegou inteira e quase bateu o recorde.

Para facilitar o entendimento, vamos recorrer a uma metáfora simples. Quando estamos na praia, avistamos ao longe uma linha em que o céu e o mar se encontram. Ela é conhecida como linha do horizonte e é a linha circular que limita o campo de nossa visão. No entanto, se você entrar em um barco e navegar mar adentro, poderá seguir e ultrapassar o ponto que a sua vista alcançava quando você estava na terra. Neste momento, se olhar para a frente, verá de novo a mesma linha, que estará mais adiante, podendo ser alcançada com apenas mais umas horas de navegação. Assim é com a vida. Cada um tem o seu horizonte-limite muito embora possa deslocá-lo se souber agir corretamente. Mas é preciso agir com uma certa dose de cautela.

Quem teima em se julgar invencível, capaz de qualquer proeza, acaba cometendo loucuras e imprudências desnecessárias. Como consequência disso pode tornar-se vulnerável. É como se a pessoa, ao olhar o horizonte num dia de mar revolto, decidisse ir ao encontro de sua linha a nado, em vez de aguardar melhores condições e utilizar um barco. Nesse quadro adverso, as chances que a correnteza tem de carregar você seriam bem maiores. O mais inteligente, conclui-se, é adotar a estratégia de vencer um obstáculo de cada vez. Nestas horas a humildade é uma arma poderosa.

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